terça-feira, 8 de janeiro de 2013


Às vezes eu penso...


Virando uma esquina hoje, perto de casa, tive a sensação de estar sendo observado por alguém. Olhei para trás e vi a banca de jornais e revistas, sem ninguém por perto, apenas o dono da banca, sentado em seu banquinho, entretido na leitura de um jornal. Será que ele estava me observando, disfarçadamente e, quando olhei para trás, escondeu o rosto atrás do jornal aberto? Como nos filmes de aventuras. Segui o meu caminho mas a sensação permanecia. Depois de uns vinte, trinta metros, olhei para trás novamente. A banca de jornais já havia sumido atrás da esquina. Ninguém mais à vista, a não ser os motoristas dos carros que passavam por mim, mas nenhum deles devagar o suficiente para estar me observando. Será que estou ficando louco? Desenvolvendo algum tipo de neurose? Como posso me sentir vigiado se não vejo ninguém por perto? Será que já inventara m a invisibilidade e eu não fiquei sabendo? Continuei meu caminho, meio cabreiro, olhando para os lados, para trás de vez em quando e... nada! Ninguém me seguindo, nenhuma pessoa andando pela mesma calçada ou mesmo pela calçada do outro lado da rua. Aliás, a rua estava estranhamente vazia, não fossem os automóveis que passavam por mim na direção contrária, a impressão era a de um dia depois do fim do mundo, onde eu fosse o único sobrevivente. Quase dava para ouvir meus próprios passos na calçada, não fosse ela esburacada, como a maioria das calçadas de São Paulo, que me obrigava a andar devagar, olhando para onde iria pisar... por pouco não pisei num cocô de cachorro! Esse povo mal educado que sai com seus cães para fazerem as necessidades fisiológicas na rua mas não levam o necessário para recolher as fezes e jogá-las na lixeira mais próxima! Finalmente, cheguei em casa! Quer dizer: cheguei ao prédio onde moro! Fui recebido com o sorriso mecânico do porteiro, que abriu os portões e grades que nos aprisionam e trocamos um comentário gentil sobre o calorão que tem feito ultimamente. Como se já não estivéssemos em pleno verão! Entrei no elevador e o espelho retribuiu meu olhar meio envergonhado, pois todo mundo quando entra num elevador e não tem mais ninguém dentro, dá uma olhadinha no espelho! Ou não dá? A sensação de estar sendo vigiado misturou-se com a reprodução da minha imagem no espelho. Aquele cara não parecia comigo em nada! Era um sujeito meio gordinho, com pneus e barriga saliente, cabelos grisalhos denunciando os muitos anos de vida e a barba mal feita, ou feita há dois ou três dias! Eu não sou ele! Preciso falar com a síndica para que verifique o espelho do elevador, que está com algum tipo de defeito, distorcendo tanto as imagens que acabamos vendo outra pessoa do outro lado do vidro. Será ele que anda me vigiando por aí? Mas, não! Não posso falar com a síndica, senão ela vai descobrir que eu também, homem já feito, com certa idade, costumo dar uma olhadinha no espelho do elevador. Melhor ficar quieto. Pronto, cheguei ao meu andar. Saio do elevador e dou de cara com o faxineiro passando um pano molhado com um produto extremamente perfumado no chão. O aroma do produto é tão forte que me provoca espirros. “Saúde, doutor!” “Obrigado, meu filho!” Enfio a chave na fechadura, confiro o número na plaquinha pra ver se não estou abrindo a porta errada e, após girá-la, entro para o conforto do meu lar. A sensação de estar sendo observado, curiosamente, desaparece assim que fecho a porta.


sábado, 22 de dezembro de 2012




Os meus Natais


Assim como existem as pessoas que não curtem o Natal ou os seus símbolos, existem outras que curtem muito tudo isso e, entre essas pessoas, eu me incluo.

Tenho o privilégio de ter nascido em uma família que podia curtir as tradições natalinas, inclusive o Papai Noel, que trazia os meus presentes e os do meu irmão. Como nós, meus primos, amigos e colegas de escola fomos criados acreditando que, para receber a misteriosa visita do Papai Noel, deveríamos ser bons filhos, bons alunos, bons amigos. E nossas infâncias foram alegres e tranquilas, como as de tantas outras crianças. Eu não tive filhos. Mas meu irmão, primos e amigos de infância tiveram e a maioria deles criou os seus de forma parecida àquela que tivemos na infância, inclusive com as tradições de Natal, Páscoa, Dia das Crianças, das Mães, dos Pais, dos Professores...  

Sempre soube que existiam as crianças mais pobres que não ganhavam presentes e sempre fomos estimulados a doar parte dos nossos brinquedos e roupas para alegrar um pouco as vidas dessas crianças. Íamos à Missa do Galo e fazíamos nossas orações, seguidas por uma lauta ceia que a boa situação financeira dos meus pais permitia. Pecávamos por isso? Não! Apenas usufruíamos de uma situação criada, inclusive, pelo trabalho incessante dos meus pais para podermos ter uma vida melhor. Existiam as diferenças, as pessoas muito mais pobres e sem condições, mas se deixássemos de comemorar o Natal, nada mudaria nas vidas delas! De nossa parte, o que podíamos fazer – e fazíamos - era sempre (não apenas no Natal) ajudarmos algumas pessoas, dando-lhes ou trabalho, ou alimentos, roupas, medicamentos, o que precisassem.

Há algum mal em curtir essas festas? Em deixar que as crianças sonhem e fantasiem com esses mitos? Eu, pessoalmente, não vejo mal algum.

Eu não tive filhos, mas o meu irmão tem três, hoje adultos, que foram criados como nós: dentro das tradições de Natal e de Páscoa, com Papai Noel, Coelhinho e tudo o que tivessem direito. Uma vez, por ocasião do Natal, eu mesmo, na falta de uma roupa de Papai Noel, me fantasiei de palhaço para alegrar a noite dos meus sobrinhos e eles ficaram fascinados com a figura do palhaço que era ajudante do Papai Noel. Depois, quando um deles descobriu que o palhaço era eu, a farra foi ainda maior, com gritaria e algazarra próprias de crianças saudáveis e de bem com a vida.

Eu, particularmente, gosto de tudo. Gosto de árvore de Natal, presépio, luzes coloridas, pisca-piscas, bolas de Natal, Papai Noel, das vitrines enfeitadas, das ruas iluminadas, dos shoppings center e suas feéricas decorações. Gosto do espírito natalino que se espalha pelo ar – não se vê, não se toca, mas pode-se sentir – e acaba contagiando as pessoas. Gosto mais de presentear do que de ser presenteado, embora não seja propriamente um consumista. Ainda gosto de preparar presentes para dar, coisas feitas e embaladas por mim, com carinho e amor.



sábado, 8 de dezembro de 2012



Recado de Bianca Pokemini
 
 
Estou comprtilhando por ter me identificado com o recado deixado pela Bianca Pokemini... compartilhado no facebook de Luma Rosa e publicado em seu blog Yes Party.

Claro que vou colaborar e publicar também aqui, para que outras pessoas tomem conhecimento e decidam o que fazer. Basta clicar no link abaixo para ver do que se trata.



E você? O que vai fazer?


sexta-feira, 23 de novembro de 2012




Afinal, somos racistas?


Cabrochas - Iara Teixeira



No dia 20 de novembro se comemora, no Brasil, o Dia da Consciência Negra. Nessa data morreu Zumbi dos Palmares, em 1695, e foi escolhida para lembrar a resistência dos negros à escravidão de forma geral, e a luta contra o preconceito e a discriminação. Afinal, os quilombos representavam a resistência ao sistema escravista e, neles, se mantinha a cultura africana e, por essa cultura e pela liberdade do seu povo foi que Zumbi lutou até a morte.  

Os brasileiros, com seu jeitão descontraído e alegre, costumam dizer com orgulho, que não são preconceituosos. Se fizermos algumas perguntas mais capciosas, talvez esse preconceito que costuma ser negado venha à tona e denuncie que, sim, somos preconceituosos.

Por exemplo, se perguntarmos como as pessoas vêm os homens negros, certamente boa parte delas dirá que são sensuais, bem dotados, bons reprodutores. Ou então, falarão sobre a imagem do malandro, do ladrão, do traficante. Sobre as mulheres negras, logo surgirão imagens de belas mulheres, com corpos esculturais, sensuais, sedutoras, tão exploradas pela mídia e pelas propagandas. Podem também ser lembradas como empregadas domésticas ou como as funkeiras que dançam sensualmente, abaixando-se até o chão.

Isso se explica, em parte, devido ao período da escravidão, onde os homens eram direcionados para os trabalhos na lavoura e os mais novos, mais fortes e até mesmo melhores dotados eram usados como garanhões reprodutores. As mulheres faziam todo o trabalho doméstico, além de amamentarem e cuidarem dos filhos das sinhás e as mais bonitas, geralmente eram abusadas pelos seus “senhores”; ou então, os seduziam com seus encantos, como um artifício de sobrevivência. Daí, simplificadamente, surge o estereótipo do homem bem dotado e mais sensual, assim como o da mulher sedutora, fogosa, pronta para o sexo, até mesmo em troca de bens ou de dinheiro. Com a abolição da escravidão nada foi feito para inserir os ex-escravos na sociedade e o que lhes restou foram os trabalhos subalternos e domésticos, mal remunerados e sem direito ao estudo e ao conhecimento, como se fosse uma extensão do período de escravidão. Essa situação perdura até hoje, embora em meados do século passado começaram a surgir alguns movimentos em prol de mudanças nessas relações.


O senhor das terras adentrou na senzala,
e ordenou que a escrava recém-chegada
fosse, naquela noite, esquentar seu corpo,
ainda moço e pleno de volúpia retesada,
enquanto a sinhá pernoitava noutra plaga.

 

De lá para cá, devido à luta empreendida por esses movimentos, os negros começaram a encontrar algumas oportunidades de estudo ou de trabalho e, gradativamente, alguns poucos conseguiram destacar-se, ainda que timidamente, na sociedade. Só que, até os dias atuais, muitas pessoas ainda sofrem gestos ou atos de preconceito e discriminação embora, atualmente, existam leis de proteção aos oprimidos. Muitas vezes as pessoas agredidas ou humilhadas não fazem valer os seus direitos e os agressores ficam com a sensação da impunidade.

Se não houvesse mais preconceitos, não haveria necessidade de destacar um dia do calendário para comemorar essa data, já que nem se pensaria em qualquer tipo de desigualdade entre as pessoas de pele branca, preta ou de qualquer outra cor. Os negros ainda são vistos, por muitas pessoas, como pessoas inferiores, com menos caráter, prontas para se dar bem a qualquer custo, sem levar em conta que grande parte dos bandidos que cumprem penas atrás das grades, outros procurados pelos seus crimes e muitos impunes por aí, têm a pele branca, diploma pendurado na parede e são bem relacionados socialmente e até usufruem das benesses de mandatos políticos, conseguidos através do apoio e do voto popular.  

Diante de tudo isso, podemos constatar a importância das comemorações nessa data, para a reflexão e a conscientização da importância do povo africano e de sua cultura na formação cultural do povo brasileiro. Essa influência é clara nos quesitos religião e gastronomia, mas existem também os aspectos políticos e sociais que fazem parte desde sempre da vida brasileira. E o reconhecimento do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, como um dos heróis brasileiros é mais do que justo, pois ele é, entre outros ainda não reconhecidos, um dos verdadeiros heróis que se impuseram, pela bravura, consciência e perseverança, na formação da história nacional.






sábado, 17 de novembro de 2012



Poder e impunidade



O que você achou das eleições deste ano?

Poder é poder, no mais verdadeiro sentido dessa palavra. Na política, poder é o que conferimos a alguém que irá nos representar, ou mesmo nos governar, através do voto. É adquirido por alguém que se candidata a isso e nos convence de que é a pessoa certa. Esse poder inclui a obrigação de fazer o que for melhor para a sociedade como um todo, de onde veio a garantia de liderança.
Nas últimas eleições, especialmente no segundo turno, muito se falou sobre a “falência” dos partidos políticos e o surgimento de novas lideranças, mas o que vi, de verdade, foi o claro recado de desencanto e desconfiança, com a enormidade de votos brancos e nulos, principalmente nas maiores cidades do país. 
Em meio à condenação popular e do STF à promiscuidade política, o que mais se discutiu foram os escândalos políticos e o crescimento, a olhos vistos, da violência por toda parte. Os partidos políticos foram se multiplicando tanto ao longo dos anos que agora fica claro que a grande maioria serve apenas como moeda de troca para cargos políticos em troca de alianças inacreditavelmente incoerentes.  
Os políticos que se apresentaram aos eleitores não tinham programas, projetos, propostas. Tinham críticas aos oponentes, roupa suja sendo lavada nas telas das TVs dentro das nossas salas de estar. E nós, pobres eleitores, cada vez mais mal informados, nos vimos sem escolha diante de candidatos fabricados, verdadeiros paus mandados, que proferiam discursos ocos, vazios, inconsistentes, utilizando velhos chavões, vangloriando-se de que eram os melhores em tudo e que eles sim, fariam a diferença no cenário político nacional.
Cargos públicos loteados, alianças compradas, concessões indesejadas e, do outro lado, a saúde, a educação, a segurança e todos os demais serviços que os governantes têm obrigação de oferecer aos cidadãos, relegados a segundo plano, sem perspectiva, sem horizonte, sem esperança.
Na verdade, nos últimos anos vem crescendo a teoria de que, para governar, o governante precisa abrir mão dos ideais, dos programas e das propostas, para arregimentar para o seu lado parte dos partidos e políticos para ter maioria, praticamente sem oposição. É a troca do poder pelo poder. Essa é uma tática de promiscuidade que só pode gerar o que temos visto crescer a cada dia em nosso país: a corrupção e a impunidade.
Eu falo, brigo, exijo meus direitos! Mesmo que não seja ouvido e, muito menos, atendido. Procuro saber quem são os candidatos, independente dos partidos aos quais pertençam, já que os partidos atuais, para mim, não existem mais. E voto naquele que melhor me pareceu, naquele que apresenta uma ficha limpa e, preferencialmente, uma lista de bons trabalhos em prol da comunidade. Mas esse nem sempre será eleito!
E agora, preparemo-nos para aturar os maus políticos que elegemos e que darão continuidade a tudo isso que está aí por, pelo menos, mais quatro anos.

E você? O que acha disso tudo?


segunda-feira, 12 de novembro de 2012


De 08 a 16 de novembro de 2012

Gostaria de poder participar mais ativamente desta bela iniciativa tão incentivada pela Luma, mas o tempo não está sendo amigo e os dias têm sido marcados por grandes batalhas e preocupações. Mesmo assim, no último final de semana, devido à ameaça de chuva e à falta de tempo para procurar um lugar mais criativo, peguei um livro, dos poucos que tenho comigo aqui em Sampa, e deixei numa prateleira do supermercado onde geralmente abasteço a despensa de casa. O bilhete, preso com um clips para que a pessoa que o encontrasse soubesse que o livro estava ali para ela (fiquei torcendo para que fosse algum daqueles rapazes que repõem os estoques...), estava bem evidente, entre a capa e a primeira folha. Espero que tenha dado certo! Ah! O livro é “1808”, de Laurentino Gomes.
Tenho muitos outros livros em casa, só que minha casa mesmo não é aqui, em Sampa, e sim em Paraty. Os que me conhecem melhor sabem que estou aqui devido a sérios problemas de saúde dos meus pais e, por isso, não posso distribuir mais livros, como gostaria. Lá costumo dar para os amigos – alguns começaram a gostar de ler depois que eu os presenteei com um livro – livros que li, gostei e penso que tem algo a ver com aquela pessoa. Alguns (poucos) chegam a me procurar para saber se tenho outro livro para dar, ou emprestar. Faço isso com o maior prazer e desprendimento. Afinal, ostentar uma estante cheia de livros caiu de moda faz um tempão, não é mesmo?
Agora, um fato curioso, ou fofoca, se preferir: a biblioteca municipal de Paraty é muito bem servida e sou um dos sócios contribuintes (segundo a garota que me atende, um dos pouquíssimos que contribuem, anualmente, com a ridícula quantia de R$ 20,00!). Devido à Flip (o maior evento literário, talvez do Brasil, que acontece por lá, geralmente no mês de julho, todos os anos), as editoras doam muitos lançamentos, fazendo com que a biblioteca esteja sempre atualizada e tenha um acervo que cresce bastante. O fato curioso – ou fofoca – a que me referi é que, possuidor de um bom acervo de boa literatura, quis doar os meus livros para a biblioteca e fui esnobado! A resposta que obtive da diretora foi que eu encaixotasse os livros, os entregasse lá e, se um dia eles tivessem tempo, examinariam para ver se serviam ou não! Inconformado, propus fazer uma planilha relacionando todos, com nome, autor, editora, etc., para que eles examinassem e ela disse apenas que não tinha tempo para ver essas coisas! Desisti da doação e fiquei com os livros em casa, prontos para serem oferecidos aos amigos que me visitam ou outros que sei que gostam de ler. E sempre peço que, após a leitura, os doem para outras pessoas. Não sei se fazem, mas eu peço. É dessa maneira que faço circularem os livros que adquiro.
Aqui em São Paulo, devido aos problemas com meus pais, acabo tendo pouquíssimo tempo para ler e, consequentemente, tenho pouquíssimos livros comigo. Escolhi “1800” por ser histórico, contar com humor a história da vinda da família real para o Brasil e, quem sabe, dessa forma, consiga atrair mais um leitor! Espero conseguir! Será uma vitória!
Sugiro a todos que pensem em uma forma de fazer com que mais pessoas se interessem pela leitura, pois é um caminho para difundir um pouco de conhecimento entre as pessoas, principalmente entre aquelas que não têm o hábito da leitura. Se você se interessar, clique aqui Blog Luz de Luma e leia o que ela fala a respeito do assunto. Com certeza ficará muito melhor informado do que com o que escrevi aqui. E não deixe de “esquecer” um ou mais livros por aí... é gratificante, é emocionante – você vai ver!


quarta-feira, 24 de outubro de 2012



AUTOSUFICIÊNCIA OU ESCRAVIDÃO?




A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.
Fernando Pessoa


Tem dias em que nos sentimos como uma espécie de escravos da vida! No geral, procuramos fazer – sempre respeitando as limitações  – o que mais nos dá prazer ou aquilo que pensamos ser o certo, independente de imposições sociais, profissionais, morais, etc..  Mas acabamos nos deixando levar pelo que esperam de nós, seja através dos hábitos, seja através da razão, ou até mesmo da emoção. Afinal, passamos nossa infância e juventude sendo preparados para nos tornarmos pessoas de bem, bons pais – ou mães – de família!

Temos horário para acordar, depois o tempo certo para nos prepararmos para o dia que se inicia, saindo de casa naquela mesma hora, seguindo aquele mesmo caminho, vestindo o mesmo estilo de roupas, comendo o mesmo tipo de comida e falando, quase sempre, com as mesmas pessoas. Não cumprimentamos estranhos, nem mesmo no elevador do nosso prédio. Afinal, não sabemos quem são eles! Ainda mais nos tempos atuais, onde nem sempre a aparência nos mostra o interior das pessoas! Por trás de uma gravata de seda, ou de um vestido elegante, pode existir uma pessoa pronta para nos enganar, nos roubar ou até mesmo – tragédia alimentada por programas sensacionalistas da TV – nos matar!

Também procuramos evitar as paixões! Se tivermos alguém, evitamos conhecer e – Deus me livre! – nos aproximarmos de outra pessoa, mesmo que sintamos aquela comichão da curiosidade, do desejo, da luxúria! Afinal, pra que reavivarmos o brilho nos olhos, aumentarmos o sorriso nos lábios, deixarmos batucar o coração? Isso é coisa de novela! Podemos nos satisfazer com os romances que vemos na telinha, geralmente na novela das nove, e continuar nossas vidinhas tranquilas, sem tropeços, nem horizontes longínquos.

O trabalho não agrada? Não faz com que fiquemos alertas, ou realizados quando dá tudo certo? Não deixa aquela sensação de realização depois de mais uma vitória? Não faz mal! Afinal, é de lá que virá o contracheque, no final do mês, que suprirá as necessidades básicas dos familiares. Prá que arriscar, procurar novos caminhos, chutar o balde, virar a mesa? Afinal, já não somos mais adolescentes! Temos uma família para cuidar, alimentar, educar.

Novos projetos? Sonhos? Fantasias? Coisas de crianças! Ou de adolescentes! Nós, os adultos, devemos ter os pés bem plantados no chão, viver nossas vidas dentro das regras da sociedade, sem grandes ousadias, sem grandes aventuras. Precisamos dar o exemplo para os mais jovens, para que sejam como somos hoje: adultos íntegros, cumpridores dos seus deveres, ciosos de suas responsabilidades e, mesmo que nem sempre: infelizes!  

Eu sempre procurei viver o avesso de tudo isso que acabo de escrever. Acordei quando não tinha mais sono, troquei de emprego diversas vezes, até encontrar um em que me identifiquei com o que fazia, com os colegas e com os superiores. Não me casei, não constitui família. Talvez por não ser um exemplo de cidadão adaptado e adequado. Mas vivi muito feliz! Viajei bastante, troquei de amores, vivi paixões tórridas ou sofridas, mudei de cidade, de estado, de casa, tantas vezes que acho difícil listar os lugares por onde andei. Conheci gente nova. Muita! Fiz amizades nos prédios onde vivi, nos elevadores que tomei, nas ruas por onde andei, nos bares que frequentei. Sonhei muito, fantasiei bastante. E sobrevivi! Amigos e, principalmente familiares perguntavam se não sentia falta de uma família (mulher e filhos) e eu dizia “não!”. Sempre convivi muito bem comigo mesmo e, embora viva só, nunca me senti um solitário. Pelo contrário: sempre cultivei a liberdade que me permitia viver da maneira que escolhi.

Hoje, já na idade considerada terceira, vejo minha liberdade tolhida, mas considero boa a causa. Meus pais, muito idosos e doentes, precisam da minha dedicação, dos meus cuidados. E eu dou a eles o que sinto que mais precisam. Isso não é eterno, sei muito bem! Um dia recupero minha liberdade, se é que não me despeça da vida antes. Mas tenho um consolo: vivi bem e sempre fui muito feliz! E mesmo hoje, com as limitações impostas, mantenho o sorriso nos lábios, o brilho nos olhos e não deixo de sonhar, de fantasiar, de desejar. Escolhi, para mim, a autossuficiência e a correspondente liberdade de viver. É assim que sou!